A história da servitude é uma das mais antigas. Desde os tempos da antiga Grécia e do Império Romano, este trabalho era feito por escravos, pessoas que não tinham outras oportunidades e serviam toda a vida e nada mais. Não foi ainda há poucos séculos que naus portuguesas vendiam vidas como gado para servir aos senhores. Para alguns, é impensável que trabalhos análogos ao escravo sigam existindo hoje, mesmo em sociedades democráticas. Em Portugal, a história do serviço doméstico é uma luta invisível e a realidade das empregadas continua precária e servil, prova disso é que não estão disponíveis dados de maneira transparente sobre a profissão.
Reconhecemos que, historicamente, a agenda feminista deixou para trás as mulheres que trabalham no setor das limpezas, de cuidados e trabalhos domésticos. No contexto português, a história das empregadas domésticas ganhou um lugar de destaque com a peça “O Monólogo de uma Mulher chamada Maria com a sua patroa”, monólogo encenado e dirigido por Sara Barros Leitão. A escrita do guião foi possível a partir de meses de dedicação à pesquisa, levada a cabo pela própria atriz, juntamente com a socióloga Mafalda Araújo. Os arquivos da CGTP (Confederação Geral dos Trabalhadores Portugueses – Intersindical Nacional) foram fundamentais para a recolha de informações, assim como as entrevistas realizadas a ex-integrantes do Sindicato do Serviço Doméstico, o qual foi legalizado em 1974 e esteve 17 anos em operação. Em 1991, fundiu-se ao atual Sindicato dos Trabalhadores de Serviços de Portaria, Vigilância, Limpeza, Domésticas e Atividades Diversas (STAD).
Sobre a pesquisa relacionada, todo o processo da construção da peça e o produto final, Mafalda Araújo cita Michele Perrot: “Ela diz que fazer a história das mulheres é um exercício mais próximo da arqueologia do que outra coisa. Que as mulheres apareceram sempre muito como auxiliares na história em vez de aparecerem como atrizes principais. E realmente haver uma peça sobre o trabalho doméstico e de levares essa questão para o palco, […], é muito bom e realmente bastante inovador”.

Ao falarmos das trabalhadoras domésticas portuguesas e da sua luta sindical, devemos falar da noite de 19 para 20 de agosto de 1921. É nesse serão que a Associação de Classe de Empregadas Domésticas de Hotéis e Casas Particulares se mobiliza para defender os seus direitos e se dá a greve de empregadas em conjunto com outros serviçais. Virgínia de Jesus é a primeira de muitas a chegar-se à frente para a defesa dos direitos das trabalhadoras. Do legado de Virgínia chegam-nos as mulheres responsáveis pela luta dos direitos das empregadas domésticas, que se mobilizam ainda no período pré-Revolução do 25 de abril.
As trabalhadoras domésticas, durante o Estado Novo, eram raparigas com grande agregado familiar e de finanças reduzidas, que migravam de pequenas aldeias do interior do país para as cidades, onde procuravam maior estabilidade financeira e uma vida melhor. Devido à alta taxa de analfabetismo e a falta de apoio social durante a ditadura, muitas das jovens mulheres não tinham noção dos seus direitos e eram facilmente enganadas por quem as quisesse empregar. Os patrões podiam ou não redigir um contrato, deixando-as muitas vezes sem documentos comprobatórios do trabalho exercido e do valor devido, e o salário prometido era flutuante – o salário mínimo era uma mera utopia. As criadas eram maioritariamente internas, viviam num quarto na casa dos patrões e não tinham direito a dia de descanso ou férias. O trabalho doméstico era exaustivo e solitário. Eram como se fossem propriedade dos patrões.
Texto e fotografia: Adriana Mendes
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